Ela vinha toda maluca, com aquelas perninhas saltitantes por cima da cama, e acordava todos da vizinhança, com seu sorriso alto. Ela me dava aquele beijo doce, pendurava a bolsa colorida no cabide das roupas, sempre no mesmo lugar errado.
Ela tinha a chave da casa, ela sabia de tudo, ela invadia todos os lugares aonde chegava, e todo mundo amava seu jeito. Aqueles olhos contentes, eu sei que naqueles olhos havia um brilho, que faiscava quando ela passava pela porta e me acordava, enchendo o quarto de beijos e carinho.
Ela entrava, e já ia tirando os sapatinhos, deixando-os pelo meio da sala. Tirava o casaco, jogava-o no sofá, e sempre parava contemplando-se no espelho, mexia nos longos cabelos negros, escondia a alça do sutiã que sempre ficava a mostra, em suas camisetas, limpava o lápis preto borrado, apertava as bochechas, então me flertava, com aqueles seus olhos de lince.
Durante esse ritual, eu ficava na porta do quarto, sempre a espreita com olhos curiosos, ela era linda, e eu sei que nunca foi preciso nenhum ritual para deixá-la como era, mas ela sempre o fazia, com uma religiosidade natural. Ela me olhava, com o sorriso de canto de boca, que apenas eu sei como era lindo. Abraçava-me, doce e sorrateira, como um gato com fome...
Ah, aquele abraço, quanta doçura havia naquele abraço... Ela suspirava, sussurrava em meus ouvidos, e eu era dela, apenas dela, eu era seu refém, mãos atadas, olhos vendados, despido de tudo. Ela nunca se deixou ser minha, mas eu... Ah, eu sempre fui dela! Eu, meu cachorro, minha casa, meu jardim, minhas roupas, ela vestia minhas roupas, quando ficava aqui.
Ela tinha tudo, no momento que seus lábios tocavam os meus. Seu perfume ficava em todas as minhas roupas, ela era a liberdade em movimento, a constante inconstância, ela era a doçura, tinha o cuidado. Ela sabia me fazer feliz, com todas as possíveis maneiras que se possa catalogar.
Ela me encurralava na cozinha, me enchia de trigo, e acabávamos pedindo comida pelo telefone. Ela tinha os olhos cor de céu, o sorriso cor de mar, a pele, cor de anjo, a felicidade cor de paz. Ela, meus vizinhos, meus pais, ate meu gato, sabia que eu era dela, que eu era refém daquelas mãos delicadas.
Existia apenas uma coisa minha que não era dela, esses eram meus sonhos, eles eram ela. Eram tê-la para sempre, morando na minha casa, acordando ao meu lado, assistindo TV, com o pote de sorvete de chocolate, no colo. Meu sonho, tirou-a de mim.
Naiara